quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Cale a boca e faça cara de paisagem!


George Méliès, cineasta francês, disse “cale a boca e faça cara de lua” para o ator que fazia o papel principal em um de seus filmes, Viagem à Lua, do ano de 1902, porque ele estava reclamando da repercussão que o filme teria. Bom, como se faz cara de lua eu não faço a mínima idéia, mas, na última semana, por conta do meu trabalho de “garota de estande” na Efapi, tive que aprender a fazer uma cara que eu não costumo ostentar: cara de paisagem. Sim, cara de paisagem, sabe? Como explicar? Sabe aqueles quadros que as avós costumam ter na sala? Com um pôr-do-sol ao fundo, o mar, umas palmeiras… Tudo lindo, tudo tranqüilo, a vida é perfeita… Mais ou menos assim. Como não costumo ser simpática - muito pelo contrário, tenho cara de chata, mal educada, antipática e anti-social, metida, arrogante, etc. - isso, dentre outras “exigências” do emprego, me proporcionou momentos de reflexão a respeito de hipocrisia, e principalmente, relacionadas a questões ligadas à estética.

Bom, ser garota de estande tem muitas desvantagens, ao contrário do que pensam as pessoas que ficam passando e pegando os brindezinhos de plástico que todas as empresas dão: passar o dia todo de pé, de salto alto (esse é o pior, pelo menos pra mim), usando uniforme (no meu caso, de manga comprida, naquele calor infernal), maquiagem, unhas e cabelos arrumados e mais um monte de frescuras que o salário não compensa. Não pra mim. Mas a velha desculpa de viver “entre o fim do mundo e o fim do mês” me dá apoio nessas horas, assim como em muitas outras. É comum nos escondermos atrás de máscaras de necessidade para justificar nossos atos quando estes são um tanto quanto controversos.

Ficar dizendo “ois”, “boas tardes”, “bons dias” e “boas noites”, cheia de sorrisos para pessoas que você nunca viu, sendo que tem um calo enorme no teu garrão e o sapato bico fino emprestado (não, eu não tenho um!) está apertando teu mindinho que você já nem sente mais, além de você estar morrendo de calor dentro daquele uniforme, que além de ser feio é apertado, e pensar que você ainda vai trabalhar mais umas cinco horas naquele dia e uns sete dias naquela semana, incluindo sábado e domingo e ” ah, acabei de lembrar que tem trabalho de filosofia pra fazer, e de língua portuguesa e de redação e de fotografia!!!” Não dá. É simplesmente impossível ser simpática numa hora dessas.

Como eu posso ficar fazendo cara de paisagem praquela gente, que além de me ser estranha, está lá gastando a grana que não tem, ou que demorou o mês inteiro pra ganhar e que vai fazer a maior falta depois, em coisas desnecessárias como um espetinho de carne de gato ou uma tiara de anteninhas cor-de-rosa? Além do mais, a maioria das pessoas que visitou a feira estava lá só porque sabia que todas as outras pessoas da cidade também estariam, assistindo a shows que não escolheram, gastando sola de sapato pra olhar coisas que seu dinheiro não pode comprar, nem mesmo se for a prestações de perder de vista…

Se eu pudesse, passaria os dez dias de feira em casa, dormindo, ou lendo ou ouvindo música ou fazendo qualquer outra coisa, que seria muito mais interessante e produtivo do que, como a maioria dos outros, ver, pela nonagésima sétima vez o mesmo show do Daniel ou Bruno e Marrone, ou qualquer outra dupla sertaneja – não faz diferença, já que todas cantam as mesmas músicas – e ser cúmplice destas coisas todas. Ou pior, ficar fazendo cara de paisagem pra todos eles.

Acho que o fim do mundo e o fim do mês não ficam tão longe assim um do outro.

.suzi.

4 comentários:

Anônimo disse...
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Anônimo disse...

Suzi, seja bem vinda aO Câncer.
A primeira garota contaminada, e em muito grande estilo!

q texto hein!

Ah... o comentário de cima foi sem querer.

Anônimo disse...

Com certeza, nossa primeira vítima!
E, além dos belos comentários, agora também contribuindo na produção!

ingo

Anônimo disse...

A Suzi é linda. Escreve coisas que eu gostaria de escrever. O mesmo que acontece com o Caio, tá ligada?!