quinta-feira, 9 de outubro de 2008

DECLARAÇÃO DE POSTURA POLÍTICO-IDEOLÓGICA SEGUIDA DE DESABAFO AUTO-BIOGRÁFICO DO SUJEITO CIDADÃO


Texto escrito no curso de jornalismo para o professor Érico Assis, que só dá trabalhos legais.


Eu, Tiago Luiz Franz, brasileiro, solteiro, portador do RG xxxxxxx-x e CPF xxx.xxx.xxx-xx, residente na Rua Xxxx Xxxxxxxx XXXx, Bairro Xxxxxx Xxxxxxx, Chapecó – SC, matriculado na Unochapecó sob o nº xxxxxxxxx, declaro para fins acadêmicos manter posicionamento político-ideológico de orientação à esquerda, bem como praticar a apologia de tais ideais. Mas, como este artigo não precisa ser protocolado em nenhuma jurisdição ou instância burocrática institucional, o cidadão aqui vai ser mais agradável em suas verbalizações.


Sempre quis ser independente. A liberdade é algo bom de se querer e lindo de se defender. Sempre quis fazer o que gosto e acredito ser bom. Uma bela e digna profissão me cairia muito bem. Sempre gostei de boa e farta comida. Saúde em primeiro lugar, seguida de uma educação de qualidade e doses moderadas de um lazer saudável são fundamentais. Para completar, nada como alguns bens materiais para satisfazer os eventuais desejos. Eis a receita que me ensinaram para a tal felicidade.


Era eu um pequeno ser vivente quando o “cara de vestido” derramou aquela coisa benta com uma caneca na minha frágil moleira. Foi tudo registrado. Eu era civil e cristão. Hoje sou só civil, pois dispensei a carreira militar aos dezoito e desisti do paraíso mais ou menos na mesma época. Oito anos depois de vir ao mundo, mais quatro descendentes da mesma prole se sentavam ao meu lado na mesa. Tirando as brigas entre irmãos e desobediências aos pais eu fui um bom cristão. Jesus ouviu as minhas preces e não me deixou faltar o essencial. Santa Claus até me trouxe uns presentes legais. Fiquei rapazinho e algumas mocinhas me quiseram. Tive uma banda adolescente que fez sucesso na escola e vendeu 200 CDs em uma cidade de 20 mil habitantes. Entrei pra universidade e cá estou a me posicionar político-ideologicamente.


Nasci no Estado de Santa Catarina, mas cresci no Estado do Mato Grosso, que é o órgão emissor do meu registro de identidade supracitado. Estado, neste caso, é uma Unidade da Federação. A Federação em questão é denominada Brasil e é a mesma que determina a nacionalidade deste cidadão que voz escreve e que aos quatro anos de idade viu - e jura que lembra disso, mesmo que não entendesse o que significava - Fernando Collor vencer Luiz Inácio no segundo turno. O cara “mais bonito esteticamente por fora” passou a usar a faixa de presidente da Federação. Eu estava no Mato Grosso e as ruas estavam cobertas de papel de campanha. Por lá, o cara de barba não é muito bem quisto até hoje, e eu fui compreender melhor o porquê quando já era bem grandinho.


Além de cristão, o discurso que me educou e me mostrou a receita da felicidade também me foi apresentado mais tarde como sendo conservador, neoliberal, latifundiário e adepto do agronegócio, ou seja, de extrema direita. Essa era minha lente cultural que dava valor as coisas do mundo e que originava a minha antipatia ao barbudo. Mas eu só fui saber disso mais tarde, quando minha lente se quebrou e me emprestaram uma nova. Isso foi na universidade.


Com a nova lente eu passei a ver um mundo diferente. Percebi mais elementos que mereciam ser observados. O antidiscurso me fez rever a receita. Eu quis experimentar novos ingredientes para incrementar a tal felicidade. É verdade que eu já questionava a receita antiga desde cedo, mas eu passei a alimentar mais alguns sentimentos. A independência e a liberdade foram totalmente relativizadas conforme eu tive que lidar com a vida em grupo. O convívio me ensinou que não se faz quase nada para si sem interferir na vida dos outros. Muito do que eu gostava e achava bom passou para o lado das coisas ruins, e vice-versa. Percebi que eu comia pior do que muitos e melhor do que muitos mais ainda. Notei que minha saúde, educação e lazer dependiam do esforço dos meus pais e que as outras crianças nem sempre tinham pais como os meus, se é que tinham. Para completar, descobri a diferença entre desejo e necessidade material.


Sou de classe média. Um privilegiado e frustrado ao mesmo tempo. Tive e não tive, mas o verbo que me motiva hoje é outro: ser. Quero antes ser, não mais do que ninguém, nem menos, para depois ter. “Estou” de esquerda. Obrigo-me a reconhecer o Estado, com todas as suas instâncias. Ainda não sei de que outra forma seria possível administrar pessoas cheias de desejos e necessidades num espaço de terra. Não acredito que a liberdade econômica vá atender às necessidades das pessoas. Talvez atenda aos desejos, e mesmo assim, de somente alguns poucos. Apesar de conhecer as duas lentes, os olhos são os mesmos. Nunca saí de meu lugar relativamente privilegiado.



tiagofranz