sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

O mercado das relações físicas


No tempo em que gostosa era só a maionese, que gato era só aquele bixano peludo, e que balada era sinônimo de levar tiro, ouvia-se falar em namoro. Hoje os tempos são outros. O nome dado à troca de beijos e até à carícias mais íntimas, que não comprometam nenhuma das partes, é ficar.

Fosse de se esperar que as mulheres reclamassem desse envolvimento sem compromisso e superficial, pois o que assistimos nas novelas de época é que as moças tinham muita pressa de encontrar um marido.

Muito pelo contrário. Hoje as fulaninhas querem um ficante, um “enrolado”, ou um sei lá o que. Além disso, grande parte assume que prefere ficar sem compromisso porque os homens geralmente são infiéis, fazem jogo de ciúme, e tornam os namoros de hoje em dia muito frívolos.

Conhecem-se, beijam-se, é te amo de cá, te amo de lá, uns dois meses depois vão para a cama, e quando o negócio esfria, uns 10 ou 15 dias depois, é me esqueça daqui, te odeio de lá. Isso quando não conseguem a proeza de engravidar na primeira vez, ou até mesmo contrair doenças sexualmente transmissíveis, lamentável. Quantos casais que você conhece tem mais de um ano de namoro? Se conhecer mais que cinco, parabéns! Você convive com um grupo de pessoas do século dezessete.

E os homens como agem? Eu diria que mulher virou mercadoria. Além do uso gratuito de algumas que se dispõe por aí, hoje pode-se comprar bundas, peitos, coxas e etc, pelos mais variados preços. O que antigamente era fazer amor, ou tirar a virgindade da mulher amada, hoje entre as variações do transar e do fazer sexo, também temos o comer. Isso mesmo! Grupinhos de amigos andam por aí competindo na “começão”, comentando sobre a “sabonete de rodoviária” que já escorregou pela mão de no mínimo uns três do mesmo convívio.

E não, não são só os homens os culpados pela vulgarização dos corpos, dos relacionamentos. O velho ditado “se um não quer, dois não fazem”, continua vivíssimo. A guerra dos sexos começou bem antes da primeira guerra mundial e segue como se fosse uma guerra fria.

Outra comparação que pode ser feita ao ficar, é a do condicional. Você sai para uma festa, observa bem os “produtos” que lá estão, provavelmente dançando de mini-saia ou escorados na parede com um copo na mão e balançando a cabeça no ritmo daquela música que você odeia, mas também balança a cabeça pra fingir que gosta.

Escolhe o “produto” que a aparência mais lhe agradar, e leva condicional por uns beijos, uma noite, ou no máximo um mês. E é claro que diferente do namoro, se não gostar pode devolver. Não precisa ficar até se apegar ou sentir ciúme. Não precisa se preocupar com dar satisfações. Não precisa se tornar responsável pela felicidade ou bom uso, é só provar e se não gostar continuar provando e provando até encontrar o produto certo. Pode devolver sem peso nenhum na consciência e com a certeza de que na próxima noite, ou no final de semana seguinte, a mercadoria já vai estar “reposta” no mercado.

por nandadreier

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

O Direito de ser um babaca
















- Bom dia Seu Matias, tudo bem com o senhor?
- “Seu Matias” não Arlindo, agora “Doutor Matias”!
- Me desculpe pela pergunta “dotô”, mas eu não sabia que o “dotô” era médico...
- Esqueceu que acabo de me formar em Direito Arlindo?
- É mesmo! A senhora sua mãe tinha comentado pra nóis... meus parabéns “dotô” Matias!

Sem entender muito bem o que se passava, Arlindo, que era o jardineiro da casa onde Matias morava, foi reto contar à mulher que o filho mais velho da patroa um novo “dotô”.

- Viu Joana, sabia que agora o Matias é “dotô”?
- Ué? Mas ele não tava estudando pra trabalhá como adevogado?
- Pois é! Mas ele me disse que lá onde ele estuda os adevogados também são “dotô”, assim como os médicos e os dentistas!
- Nossa! Então agora ele é importante mesmo, né Arlindo?!

Ainda decepcionado pela “ignorância” do jardineiro, Matias, que ainda não havia ganhado o tão desejado carro de presente do pai, também “dotô”, pegou o ônibus e foi à universidade ver quando ficaria pronto seu diploma. Ficava indignado pelo jeito tosco com que as pessoas se vestiam, com camisetas velhas, descabeladas, desleixadas. “É por isso mesmo que esse país não vai para frente. Também, com gente desse tipo”, pensava o mais novo “dotô” da cidade.
Sentado em um assento à direita do veículo, Matias torcia para que nenhuma daquelas pessoas sentasse ao seu lado. Não adiantou. Na metade da viagem, ainda faltando um tempo considerável até se chegar à instituição, uma moça, mais velha, de cabelos laranjados, brincos de pena e uma camisa desbotada de uma banda inglesa, lhe pediu permissão. Sentou.

- Bom dia! - sorriu a moça estranha.
- Oi. Educado ele.
- Putz, estudar de manhã é uma tortura mesmo, né? - puxou conversa a garota que tinha as unhas pintadas de um tom escuro.

A pergunta dela não o deixou a vontade. “Onde já se viu? Como uma pessoa que tem preguiça em acordar cedo pode um dia ser alguém na vida?”, se questionou em pensamento, mas respondeu à ela:

- Não vejo problema.
- Eu sim! Mas fazer o que, né? Esse mundo funcionalista não nos dá muita opção. Você faz que curso? - questionou a moça estranha.

“Mundo funcionalista. Pior se fosse um mundo desleixado como você”, pensou Matias em responder, mas se conteve:

- Me formei em Direito. Vou ver quando fica pronto meu diploma.
- Então estou falando com um “doutorzinho”! - brincou ela para descontrair.

Ele sabia que a garota, com longos colares, não merecia sua digna atenção. “Além de tudo tenho que agüentar piadinhas dessa aí. Pelo menos temos postura e não somos como o pessoal desses cursos, nos quais os alunos passam o dia brincando de entrevistar, de construir prédios, e mexer com animais ou lidando com loucos”, remoeu em pensamento antes de responder:

- Pelo menos temos objetivos e somos determinados, ao contrário de grande parte desses cursinhos da universidade, que ficam filosofando coisas que não existem. – falou Matias.
- Acho que isso ou é prepotência ou insegurança! Ah, e os botões de sua camisa estão desalinhados em relação à posição da fivela do cinto! – provocou a moça que dormia até mais tarde.
- Quem é você para querer me classificar? – questionou Matias enraivecido.
- Eu?! Ninguém! Oras bolas! – respondeu a garota estranha enquanto o ônibus encostava e determinava o fim da viagem.

Desceram, ela antes e um pouco depois Matias. A garota estranha o esperou, lhe pediu desculpas pela brincadeira, sorriu e lhe desejou sorte na carreira. Matias apenas lhe disse “tchau” e seguiu em direção ao local que lhe levara de novo à universidade. De expressão fechada, do mesmo modo que a ignorância do jardineiro, também não entendia a ousadia e falta de bom senso da moça de camisa desbotada. Se foi.
De sorrido nos lábios, a moça de saias longas e floridas e óculos grandes, seguiu em direção ao bloco onde terminava o doutorado em Literatura. “Ele ainda vai ser alguém na vida!”, pensava em voz alta a respeito do “dotô”, enquanto caminhava e contabilizava mais um dia de chegada atrasada à aula. Se foi.

***

- Felizmente, para toda regra há diversas e confortáveis exceções, seja em relação ao “funcionalismo” ou mesmo ao “desleixamento”.
- O “dotô” do Direito foi apenas um exemplo corriqueiro. A situação, infelizmente, é clichê em infinitas profissões.
- Não, ao contrário do jardineiro e de sua mulher, não acredito que dentistas e médicos sejam doutores, a não ser que realmente tenham o título, assim como qualquer outro profissional, ao exemplo dos que fazem entrevista, dos que constroem prédios, mexem com animais ou lidam com loucos.
- Meu pai não tem título algum, mas sabe assentar um tijolo como advogado nenhum que eu conheça. Já minha mãe, também desprovida de Doutorado, faz uma torta de bolacha de causar inveja em muita médica (as dentistas ficam nervosas, pois a torta contém bastante açúcar!).

ingo

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Desabafo comunista???














Toda vez que acompanho uma discussão sobre comunismo sinto-me contrariado: os anti-comunistas me incomodam por sua falta de sensibilidade, e os próprios comunistas me decepcionam pelo mesmo motivo. No fundo, pelos discursos que acompanho, parece-me que todos almejam o mesmo, mas encontram acolhimento para seus ideais em diferentes espécies de sentimento, seja na compaixão, no egoísmo, ou qualquer coisa que o valha. De minha parte, acolhi esta ideologia há alguns anos, tendo, com o passar do tempo, encontrado diferentes argumentos para dizer-me assim. Mas, do jeito que entendo o comunismo hoje, sinto-me incompreendido por alguns e mal entendido por outros; na bem da verdade, poucos são aqueles que me proporcionam a sensação de dividir o ponto de vista a este respeito. E, já que este espaço está aqui para que livremente lhe façamos uso, aproveito-me dele para registrar um desabafo – de um comunista que nem sabe se pode ainda dizer-se comunista.
Enfim, findando a enrolação, digo-lhes o que para muitos já é sabido: é comum alguém que abertamente diz-se comunista logo receber alguns adjetivos – os quais eu mesmo já experimentei, do tipo: ‘metido a revolucionário’, ‘rebelde sem causa’, ‘doutrinador’, ‘ingênuo’, e outras alcunhas mais que não consigo recordar. Talvez muitos de nós, no ímpeto de botar para fora todas as convicções que nos foram contrariadas e estão entaladas na garganta, acabamos por trocar os pés pelas mãos, extrapolamos, e causamos essa impressão. Inevitavelmente, e talvez por isto mesmo, por vezes me tratam como se fizesse parte daquela galerinha comunista do segundo grau, que, sem querer estereotipa-los, andavam de um lado para o outro com a camisa do Che, fazendo lá seus discursos sobre “os deveres e responsabilidades de quem tem mais” e “os direitos de quem tem menos”. Mas, na verdade, não é isto que me interessa. Não mesmo! Até porquê minha ‘adesão’ ao comunismo deu-se por motivos outros, que não apenas de ordem econômica – e me pergunto: como é que alguém pode dizer-se comunista, se for para perpetuar, em suas idéias, o grande mote da filosofia capitalista: ter? Que tipo de comunista é aquele cujo objetivo final é eliminar as diferenças de classe, declarando que o que as distingue é o poder aquisitivo, e atacando justamente – e simplesmente – neste ponto?
Eu mesmo já fui um comunista por sofrer pelos outros, por sofrer pelo povo, por alimentar em mim mesmo um dos sentimentos que hoje considero dos mais baixos: a pena; a compaixão. Hoje, digo-me comunista por mim e por alguns que compartilham do meu mesmo ponto de vista – ou, quem sabe, faça tudo isso apenas por medo de negar meu passado de forma tão repentina. Os problemas do povo, estes, sinceramente, não me são mais prioritários. Mas o que importa é algo que me aconteceu certa vez, num amanhecer, quando um amigo resumiu muitos dos meus sentimentos em apenas uma frase:
- Como é triste o nascer do sol no capitalismo!
Depois de uma martelada dessas, o cara cai na real e percebe aquilo que todos os sentidos querem lhe mostrar o tempo inteiro, mas que, teimosamente, não quer aceitar: mãos tateando o cimento da calçada; gosto de atum enlatado; cheiro sufocante de fumaça; olhos ardendo de cansaço, tentando divisar o horizonte matinal, mas tendo os prazeres interrompidos por blocos e blocos de pedra erigidos ao redor; passos frenéticos apressados batendo contra o chão, ronco de motor; alguma bela melodia??? NÃO! E querem entender as catástrofes climáticas e a tristeza pós-moderna, achando que reciclar o lixo resolve um problema e ganhar muito dinheiro resolve o outro... tolice.
E tem gente que já me disse: “é besteira filosofar sobre as coisas pequenas da vida.” Ora, mas este é um dos grandes males do capitalismo moderno: homens pouco sublimes e muito objetivos... os consumidores... e, venham cá, vocês que pensam apenas sobre as ‘grandes coisas’, o que há de tão elevado neste ritual que cultuam, nesta filosofia ‘grandiosa’, o consumo desenfreado, do qual todos parecem obter uma estranha sensação de liberdade? Custo a entender. E os mesmos que me dizem ser bobeira filosofar sobre coisas pequenas são os que me acusam de ser muito arrogante, não saber ouvir os outros, não respeitar a ‘pluralidade de pensamentos’ e tudo o mais. Talvez minha personalidade impetuosa cause mesmo esta impressão, mas estou convicto a meu próprio respeito de ser um apaixonado por idéias novas, convergentes ou não com minha linha de pensamento – desde que, fique bem claro, sejam idéias novas, e não repetições de valores milenares disfarçados com trajes moderninhos... e isso é o que menos existe: custo a conhecer alguém que me apresente idéias realmente novas (e próprias), para que possa ouvi-lo e, assim, respeitá-lo, concordando ou discordando. E, pensando sobre isso agora, acho que o comunismo me atraiu, em parte, justamente por isso. Nele, encontrei embasamento para contestar algumas ‘grandes verdades’ da sociedade, e talvez tenha entendido o que Nietszche quis dizer com ‘criar valores novos’ – se é que alguém pode dizer ter entendido Nietszche. (Mas, ora, ler é tão subjetivo quanto escrever, ouvir tão subjetivo quanto falar, então será mesmo possível alguém entender outrem?).
Mas isso é papo para outra hora... agora, o espaço em branco do papel está acabando, e preciso terminar este negócio confuso. Digo tudo isto correndo o risco de, daqui a alguns anos, tomar este texto em mãos e achar tudo o que escrevi um grande monte de bosta, simples besteiras de um rapazote. Mas esta é justamente a melhor parte: freqüentemente me divirto, deleitando-me com as coisas que escrevia ou pensava há bem pouco tempo atrás. Então percebo o tanto do caminho que já trilhei. “Partir, tão bom, mas para que chegar?” É triste ver um homem sólido em suas convicções . Aí, significa que a estrada acabou, e a viagem teve seu fim...

lontra voadora