quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

O Direito de ser um babaca
















- Bom dia Seu Matias, tudo bem com o senhor?
- “Seu Matias” não Arlindo, agora “Doutor Matias”!
- Me desculpe pela pergunta “dotô”, mas eu não sabia que o “dotô” era médico...
- Esqueceu que acabo de me formar em Direito Arlindo?
- É mesmo! A senhora sua mãe tinha comentado pra nóis... meus parabéns “dotô” Matias!

Sem entender muito bem o que se passava, Arlindo, que era o jardineiro da casa onde Matias morava, foi reto contar à mulher que o filho mais velho da patroa um novo “dotô”.

- Viu Joana, sabia que agora o Matias é “dotô”?
- Ué? Mas ele não tava estudando pra trabalhá como adevogado?
- Pois é! Mas ele me disse que lá onde ele estuda os adevogados também são “dotô”, assim como os médicos e os dentistas!
- Nossa! Então agora ele é importante mesmo, né Arlindo?!

Ainda decepcionado pela “ignorância” do jardineiro, Matias, que ainda não havia ganhado o tão desejado carro de presente do pai, também “dotô”, pegou o ônibus e foi à universidade ver quando ficaria pronto seu diploma. Ficava indignado pelo jeito tosco com que as pessoas se vestiam, com camisetas velhas, descabeladas, desleixadas. “É por isso mesmo que esse país não vai para frente. Também, com gente desse tipo”, pensava o mais novo “dotô” da cidade.
Sentado em um assento à direita do veículo, Matias torcia para que nenhuma daquelas pessoas sentasse ao seu lado. Não adiantou. Na metade da viagem, ainda faltando um tempo considerável até se chegar à instituição, uma moça, mais velha, de cabelos laranjados, brincos de pena e uma camisa desbotada de uma banda inglesa, lhe pediu permissão. Sentou.

- Bom dia! - sorriu a moça estranha.
- Oi. Educado ele.
- Putz, estudar de manhã é uma tortura mesmo, né? - puxou conversa a garota que tinha as unhas pintadas de um tom escuro.

A pergunta dela não o deixou a vontade. “Onde já se viu? Como uma pessoa que tem preguiça em acordar cedo pode um dia ser alguém na vida?”, se questionou em pensamento, mas respondeu à ela:

- Não vejo problema.
- Eu sim! Mas fazer o que, né? Esse mundo funcionalista não nos dá muita opção. Você faz que curso? - questionou a moça estranha.

“Mundo funcionalista. Pior se fosse um mundo desleixado como você”, pensou Matias em responder, mas se conteve:

- Me formei em Direito. Vou ver quando fica pronto meu diploma.
- Então estou falando com um “doutorzinho”! - brincou ela para descontrair.

Ele sabia que a garota, com longos colares, não merecia sua digna atenção. “Além de tudo tenho que agüentar piadinhas dessa aí. Pelo menos temos postura e não somos como o pessoal desses cursos, nos quais os alunos passam o dia brincando de entrevistar, de construir prédios, e mexer com animais ou lidando com loucos”, remoeu em pensamento antes de responder:

- Pelo menos temos objetivos e somos determinados, ao contrário de grande parte desses cursinhos da universidade, que ficam filosofando coisas que não existem. – falou Matias.
- Acho que isso ou é prepotência ou insegurança! Ah, e os botões de sua camisa estão desalinhados em relação à posição da fivela do cinto! – provocou a moça que dormia até mais tarde.
- Quem é você para querer me classificar? – questionou Matias enraivecido.
- Eu?! Ninguém! Oras bolas! – respondeu a garota estranha enquanto o ônibus encostava e determinava o fim da viagem.

Desceram, ela antes e um pouco depois Matias. A garota estranha o esperou, lhe pediu desculpas pela brincadeira, sorriu e lhe desejou sorte na carreira. Matias apenas lhe disse “tchau” e seguiu em direção ao local que lhe levara de novo à universidade. De expressão fechada, do mesmo modo que a ignorância do jardineiro, também não entendia a ousadia e falta de bom senso da moça de camisa desbotada. Se foi.
De sorrido nos lábios, a moça de saias longas e floridas e óculos grandes, seguiu em direção ao bloco onde terminava o doutorado em Literatura. “Ele ainda vai ser alguém na vida!”, pensava em voz alta a respeito do “dotô”, enquanto caminhava e contabilizava mais um dia de chegada atrasada à aula. Se foi.

***

- Felizmente, para toda regra há diversas e confortáveis exceções, seja em relação ao “funcionalismo” ou mesmo ao “desleixamento”.
- O “dotô” do Direito foi apenas um exemplo corriqueiro. A situação, infelizmente, é clichê em infinitas profissões.
- Não, ao contrário do jardineiro e de sua mulher, não acredito que dentistas e médicos sejam doutores, a não ser que realmente tenham o título, assim como qualquer outro profissional, ao exemplo dos que fazem entrevista, dos que constroem prédios, mexem com animais ou lidam com loucos.
- Meu pai não tem título algum, mas sabe assentar um tijolo como advogado nenhum que eu conheça. Já minha mãe, também desprovida de Doutorado, faz uma torta de bolacha de causar inveja em muita médica (as dentistas ficam nervosas, pois a torta contém bastante açúcar!).

ingo

5 comentários:

Anônimo disse...

estilos de linguagem... � isso a�.
n�o podemos cair no mesmo erro do Matias.
vamos conversar mais, homem da literatura.
abra�o

Anônimo disse...

Você vai ser processado!!!
huahuahauhuah

Não sou anônimo! Sou o Zé, porra!!

Anônimo disse...

Sim, já tenho encrenca com as velhas carolas... sem céu para mim..
hehehe

Anônimo disse...

que bonito!
=)

Anônimo disse...

sim, o mais excitante em ser "colaboradora" do câncer, é que não tem nem um link pro meu blog aqui.

lamentável.