quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Desabafo comunista???














Toda vez que acompanho uma discussão sobre comunismo sinto-me contrariado: os anti-comunistas me incomodam por sua falta de sensibilidade, e os próprios comunistas me decepcionam pelo mesmo motivo. No fundo, pelos discursos que acompanho, parece-me que todos almejam o mesmo, mas encontram acolhimento para seus ideais em diferentes espécies de sentimento, seja na compaixão, no egoísmo, ou qualquer coisa que o valha. De minha parte, acolhi esta ideologia há alguns anos, tendo, com o passar do tempo, encontrado diferentes argumentos para dizer-me assim. Mas, do jeito que entendo o comunismo hoje, sinto-me incompreendido por alguns e mal entendido por outros; na bem da verdade, poucos são aqueles que me proporcionam a sensação de dividir o ponto de vista a este respeito. E, já que este espaço está aqui para que livremente lhe façamos uso, aproveito-me dele para registrar um desabafo – de um comunista que nem sabe se pode ainda dizer-se comunista.
Enfim, findando a enrolação, digo-lhes o que para muitos já é sabido: é comum alguém que abertamente diz-se comunista logo receber alguns adjetivos – os quais eu mesmo já experimentei, do tipo: ‘metido a revolucionário’, ‘rebelde sem causa’, ‘doutrinador’, ‘ingênuo’, e outras alcunhas mais que não consigo recordar. Talvez muitos de nós, no ímpeto de botar para fora todas as convicções que nos foram contrariadas e estão entaladas na garganta, acabamos por trocar os pés pelas mãos, extrapolamos, e causamos essa impressão. Inevitavelmente, e talvez por isto mesmo, por vezes me tratam como se fizesse parte daquela galerinha comunista do segundo grau, que, sem querer estereotipa-los, andavam de um lado para o outro com a camisa do Che, fazendo lá seus discursos sobre “os deveres e responsabilidades de quem tem mais” e “os direitos de quem tem menos”. Mas, na verdade, não é isto que me interessa. Não mesmo! Até porquê minha ‘adesão’ ao comunismo deu-se por motivos outros, que não apenas de ordem econômica – e me pergunto: como é que alguém pode dizer-se comunista, se for para perpetuar, em suas idéias, o grande mote da filosofia capitalista: ter? Que tipo de comunista é aquele cujo objetivo final é eliminar as diferenças de classe, declarando que o que as distingue é o poder aquisitivo, e atacando justamente – e simplesmente – neste ponto?
Eu mesmo já fui um comunista por sofrer pelos outros, por sofrer pelo povo, por alimentar em mim mesmo um dos sentimentos que hoje considero dos mais baixos: a pena; a compaixão. Hoje, digo-me comunista por mim e por alguns que compartilham do meu mesmo ponto de vista – ou, quem sabe, faça tudo isso apenas por medo de negar meu passado de forma tão repentina. Os problemas do povo, estes, sinceramente, não me são mais prioritários. Mas o que importa é algo que me aconteceu certa vez, num amanhecer, quando um amigo resumiu muitos dos meus sentimentos em apenas uma frase:
- Como é triste o nascer do sol no capitalismo!
Depois de uma martelada dessas, o cara cai na real e percebe aquilo que todos os sentidos querem lhe mostrar o tempo inteiro, mas que, teimosamente, não quer aceitar: mãos tateando o cimento da calçada; gosto de atum enlatado; cheiro sufocante de fumaça; olhos ardendo de cansaço, tentando divisar o horizonte matinal, mas tendo os prazeres interrompidos por blocos e blocos de pedra erigidos ao redor; passos frenéticos apressados batendo contra o chão, ronco de motor; alguma bela melodia??? NÃO! E querem entender as catástrofes climáticas e a tristeza pós-moderna, achando que reciclar o lixo resolve um problema e ganhar muito dinheiro resolve o outro... tolice.
E tem gente que já me disse: “é besteira filosofar sobre as coisas pequenas da vida.” Ora, mas este é um dos grandes males do capitalismo moderno: homens pouco sublimes e muito objetivos... os consumidores... e, venham cá, vocês que pensam apenas sobre as ‘grandes coisas’, o que há de tão elevado neste ritual que cultuam, nesta filosofia ‘grandiosa’, o consumo desenfreado, do qual todos parecem obter uma estranha sensação de liberdade? Custo a entender. E os mesmos que me dizem ser bobeira filosofar sobre coisas pequenas são os que me acusam de ser muito arrogante, não saber ouvir os outros, não respeitar a ‘pluralidade de pensamentos’ e tudo o mais. Talvez minha personalidade impetuosa cause mesmo esta impressão, mas estou convicto a meu próprio respeito de ser um apaixonado por idéias novas, convergentes ou não com minha linha de pensamento – desde que, fique bem claro, sejam idéias novas, e não repetições de valores milenares disfarçados com trajes moderninhos... e isso é o que menos existe: custo a conhecer alguém que me apresente idéias realmente novas (e próprias), para que possa ouvi-lo e, assim, respeitá-lo, concordando ou discordando. E, pensando sobre isso agora, acho que o comunismo me atraiu, em parte, justamente por isso. Nele, encontrei embasamento para contestar algumas ‘grandes verdades’ da sociedade, e talvez tenha entendido o que Nietszche quis dizer com ‘criar valores novos’ – se é que alguém pode dizer ter entendido Nietszche. (Mas, ora, ler é tão subjetivo quanto escrever, ouvir tão subjetivo quanto falar, então será mesmo possível alguém entender outrem?).
Mas isso é papo para outra hora... agora, o espaço em branco do papel está acabando, e preciso terminar este negócio confuso. Digo tudo isto correndo o risco de, daqui a alguns anos, tomar este texto em mãos e achar tudo o que escrevi um grande monte de bosta, simples besteiras de um rapazote. Mas esta é justamente a melhor parte: freqüentemente me divirto, deleitando-me com as coisas que escrevia ou pensava há bem pouco tempo atrás. Então percebo o tanto do caminho que já trilhei. “Partir, tão bom, mas para que chegar?” É triste ver um homem sólido em suas convicções . Aí, significa que a estrada acabou, e a viagem teve seu fim...

lontra voadora

2 comentários:

Anônimo disse...

"É triste ver um homem sólido em suas convicções" foi foda!!!
É por isso que eu te amo!! haha

Sobre consumir por consumir, tenho uma historinha:
Nessas férias um amigo meu foi pro Paraguai... nem precisa falar para que... Eu disse a ele que meus colegas costumam ir passear na Argentina, e meu amigo perguntou secamente: e lá tem o que pra comprar?
Infelizmente, é o que lhe faz feliz.

Anônimo disse...

"Eu mesmo já fui um comunista por sofrer pelos outros, por sofrer pelo povo, por alimentar em mim mesmo um dos sentimentos que hoje considero dos mais baixos: a pena; a compaixão."

Um tumor legítimo.
Li, li, reli e realmente faz pensar.