sábado, 8 de dezembro de 2007

Salve-se quem puder













Não importa de onde você veio, nenhum lugar poderia ser mais longe de casa do que viver uma mentira. Erro, mas penso por mim mesma. Queridos amigos, a nossa sociedade é incrível. Uma verdadeira escola ao ar livre! Tenho 19 anos e quando nasci meu pai já pensava num futuro para mim, se preocupava muito em me ensinar a que a vida não se resume a uma prateleira de supermercado. Mas naquela época, já haviam duas coisas que ele tinha certeza absoluta de que não precisaria se esforçar para que eu aprendesse, a sociedade se encarregaria de me aperfeiçoar em consumismo e competitividade.

Não precisaria pagar escola, nem impostos, nem fazer absolutamente nada para graduar-me em consumismo e competitividade. Bastou soltar-me aos ventos para que eu me formasse com méritos. Só fui à escola com 6 anos. Aprendi a contar, correr, brincar, abraçar, dar carinho, falar, fazer perguntas, montar quebra-cabeças, pedir licença, desculpas, por favor e muito obrigado com os meus pais, com os avós, com a família! Queriam me manter longe da tirania da perfeição e do consumo o máximo que pudessem.

Não me queriam perfeita, e muito menos mascarada. Exercitaram minha mente para que eu fosse boa de caráter e tivesse criatividade no melhor mundo, que para eles era o meu próprio mundo. Fui à escola e conheci outras formas de “educação”. Cresci chorando todos os finais do ano porque tinha medo de reprovar em matemática. Cresci competindo e sendo comparada com outras crianças por ser dita melhor ou pior do que elas em certas coisas, por ter mais ou menos que elas, por saber mais ou menos, e assim por diante. Estudei fórmulas que nunca mais vou usar na vida para passar pela prova classificatória do vestibular e outras do mesmo gênero. Gênero que decide que o melhor é aquele que faz todos os “X” nas alternativas que eles definiram como corretas. Que decide pela cor, pela classe, pelo sexo, pelo discurso, pela perfeição. E hoje, estudando jornalismo, tenho certeza de que milhares dessas provas ainda me aguardam.

Não importa o que eu faça, caráter e criatividade continuam sendo os pilares dos meus projetos. O que mudou, para o lamento dos meus pais que sonhavam o impossível, é que eu passo todo dia, o dia inteiro, consumindo e competindo. Vim para uma universidade particular estudar para competir no mercado, estudar para ir mostra minha “vitrina” numa feira (sim, alguém disse: - Vocês precisam mostrar o produto de vocês para a sociedade). Vim estudar quatro anos e meio para correr, puxar o tapete dos outros, e provar que sou melhor que eles porque tive a oportunidade de ler algumas apostilas e ir fingir trabalho voluntário e sério, em uma empresa que ganhou uma boa grana para promover “pessoas públicas”.

O mais engraçado é que para competir e consumir é preciso dinheiro, muito dinheiro, sempre dinheiro. Cada vez mais dinheiro para vencer outros, para ter o que os outros não têm, estar onde eles não estão, para passá-los pra trás. Para comprar coisas e mais coisas, construir estruturas e mais infraestruturas para consumir, para vender. De que adianta? Se no final todos vão terminar no mesmo lugar, na linha de chegada da corrida.

Tudo está sendo digitalizado, centenas de trabalhos braçais desapareceram, crianças não vêem graça em pular sapata, em jogar dominó. Elas querem comprar a boneca que grita, porque a da amiguinha só fala. Elas querem andar em brinquedos perigosos e que as fazem sentir medo e gritar feito loucas. Elas vão crescer (leia-se estão crescendo) sem opinião própria sobre as coisas a sua volta, vão agir como se fossem descartáveis e baratas. As crianças do consumismo e da competitividade vão repetir letra por letra, vão decorar os 10 mandamentos, vão rezar 50 ave - marias em 5 minutos, vão confiar mais na televisão do que nos seus pais. Usar a palavra “vão” para estes exemplos torna a situação tão mais amena, não acham?

Eu preciso dizer de quem é a culpa? Creio que não seja necessário agir como “formadora de opinião” nesse caso. Eu não quero ser padrão, não quero saber qual é a cor que vai estar na moda no verão de 2017, não quero saber onde está o papa, e nem que cor estava o cabelo da Suzana Vieira quando o marido dela foi pego com outra no motel. Eu não quero estar desinformada com falsos números de quantas pessoas visitaram a feira tal, não quero saber quantas ovelhas foram leiloadas. Não me comove que o cantor Daniel tenha telefonado para dizer que sente muito pela tragédia que aconteceu. Eu não vou comprar um CD dele por causa disso.

Eu vivo meu próprios mandamentos, reprimidos, mas os vivo intensamente. E se querem saber não são 10, são 8,5 e eu que inventei, eu que sei. Apesar do excesso de informação tento filtrar as coisas, manter meu caráter, minha criatividade. Prefiro coragem à falsidade, prefiro dor à mentira. Por mais longe que eu esteja, sempre vou encontrar meu caminho de volta para casa. Se eu me perder? Prefiro procurar o caminho até encontrar do que ter que optar por outro.

Se eu quebrar a cara? Não importa, tento consertar. Se de acordo com os “padrões” eu ficar com ela estragada? Grande coisa. Nela estarão as marcas do que vivi. Fico com a cara estragada, com a alma ferida, mas com o coração satisfeito por não ter tido uma vida superficial, leviana e muito menos comum. E não, não vou pagar por idéias prontas, por marcas que não senti, e muito menos por uma face moldada que vive apenas para ser mais e melhor que outros. Rousseau, me conte o segredo para não ser ainda mais corrompida pela sociedade.

por nandadreier

6 comentários:

Anônimo disse...

Nanda,
você é uma célula cancerígina por excelência! vamos aumentar esse tumor, com ou sem Rousseau.
o Flademir só podia ter dado essa nota! maravilhoso!

Anônimo disse...

Impiedoso, como a realidade, real, como a injustiça, forte, como um soco no fígado!

Muito bom texto.

Que bacana ver que vocês, ovelhas negras do jornalismo, não deixarem de lado o espírito contestator, cultivarem o pensamento e salvarem o pouco que há de bom em meio a uma sociedade alienada e egocentrista.

Que bom!

Anônimo disse...

Valeu Tiago!
E ainda bem suas dúvidas a meu respeito acabaram.

Obrigada por me incluírem nesse Câncer!

Anônimo disse...

rá!
que orgulho!
essa é minha Ferdinanda!

Anônimo disse...

Isso!! Grande texto de idéias contestadoras... Como bem disse o Ingo, é ótimo saber que existam cabeças que ainda pensam no curso de jornalismo. Estas tão cada vez mais escassas... Siga na luta nova velha amiga!

Ps.: Fodam-se os padrões!!

Andrei disse...

Sempre gostei de tudo que você escreve, principalmente suas crônicas, mas realmente, com este texto, penetras no intimo desse sistema falido. Um sistema que as pessoas não vêem, ou figem não ver. E nós como "Jornalistas" temos a missão de mostrar isto para os cegos e mentirosos manipuladores. Me orgulho muito de ter você como amiga e saber que você é como é e não o que os outros querem.